Teich deve decidir de que lado vai ficar na História

Diante da impossibilidade de trazer um negacionista à sua imagem e perfeição para a pasta da Saúde, Bolsonaro preferiu trazer um nome palatável para a comunidade médica e científica e promover uma espécie de distensão gradual e irrestrita, mas a um ritmo de toque de caixa ditado por ele mesmo.

O capitão sabia que a opção por um nome que como ele defendesse o fim do isolamento social faria com que o mundo desabasse sobre sua cabeça perturbada. Havia ainda a autonomia de governadores e prefeitos garantida pelo Supremo para regulamentar medidas de isolamento social e definir atividades essenciais. O que fazia da idéia insana de substituir um ministro da saúde em meio a uma pandemia ajustar-se a um perfil de reduzidíssima margem de erro.

Nesse cenário, o nome do oncologista Nelson Teich, escolhido para substituir Henrique Mandetta, saltou da esfera médica para as manchetes em menos de 24 horas. Reconhecido por seus predicados médicos, incluindo experiência na área de consultoria e gestão na saúde privada, Teich integrou a equipe de campanha de Bolsonaro e chegou a ser cogitado para a pasta no início de seu mandato.

Nos últimos tempos escreveu artigos considerando a condução da política de Mandetta no combate à epidemia como perfeita. E avaliou o isolamento social como a única “estratégia que permite ganhar tempo para entender melhor a doença e implantar medias que permitam a retomada do país.”

Já em seu primeiro pronunciamento, ao lado de Bolsonaro, com quem conversou pela manha, Teich falou genericamente sobre a necessidade se obter informações sobre a doença, a fim de “entender o momento e definir qual a melhor forma de isolamento.” Destacou a intenção de promover a testagem massiva da população e garantiu que não haverá mudança brusca na forma de distanciamento social adotado até aqui. Por fim salientou que “há um alinhamento perfeito” entre ele e o presidente. 

A rigor não disse nada de significativo que pudesse dar algum indicativo sobre a linha que deve adotar daqui pra frente. Um banco de dados que pudesse orientar cada linha de ação é tudo o que ser quer no mundo todo. Testar massivamente é o caminho apontado pela OMS como o mais seguro para a flexibilização de uma quarentena desse porte. E tempo é tudo o que não se tem, a menos que Teich se refira ao tempo que precisa para sair da armadilha preparada pelo capitão.

Como só houve uma conversa entre ambos, vem logo à cabeça a advertência de Mandetta: “Você conversa hoje, a pessoa entende, diz que concorda, parece que tudo ta acertado e, em seguida, o camarada muda o discurso de novo.”

Messias Bolsonaro já na apresentação sinalizava o ritmo com que a flexibilização do confinamento deve andar, falando sobre a volta à normalidade e o reinício das aulas, conforme seu figurino de isolamento vertical, não sem antes responsabilizar governadores e prefeitos pelo agravamento da crise econômica. “O preço vai ser alto”, cobrou, alertando-os para que não ponham “essa conta não no governo federal, mas nas costas do nosso sofrido povo brasileiro.”

Em sua live da quinta-feira ainda arrastaria um constrangido Teich para avalizar o que seriam suas premissas (vazias) para um caminho de relaxamento da quarentena. E nesta sexta escancarou suas reais intenções, revelando-se ciente pela primeira vez das conseqüências trágicas que a interrupção de um isolamento prévio e sem critério pode provocar.

“A história lá na frente vai nos julgar. Então essa briga de começar a abrir o comércio é um risco que eu corro, porque se agravar vem para o meu colo.” Para Messias Bolsonaro trata-se de “uma atitude arriscada, mas necessária pra manter o emprego.”

Nem Trump, seu guia, bancou tamanha aposta. Depois de arrogar-se o direito de determinar o fim do confinamento, teve de retroceder diante da reação de governadores americanos. Bolsonaro preferiu jogar a solução no colo de seu novo ministro: “busque uma alternativa”.  

Como pela via legal, o capitão sabe que não vai a lugar nenhum, busca respaldo na insurreição popular, discursando pelas liberdades individuais, contra o que seria uma repressão por parte governadores e prefeitos em restringir na base da força policial o direito de circulação.

Já o novo ministro procurou evitar qualquer tema mais espinhoso em seu discurso de posse. Falou sobre o medo que tomou conta da população, destacou mais uma vez a informação como o grande desafio para enfrentar a doença, da cooperação entre ministérios e iniciativa privada, e da necessidade de acompanhamento dos indicadores sociais. “Se tiver mais desemprego, pessoas que vão perder o plano de saúde, isso vai impactar o SUS.

Talvez devesse saber – ou citar – que os hospitais da rede pública de São Paulo e de outras capitais já estão operando com sua capacidade máxima, daí a necessidade imperiosa de se manter o isolamento como proposto. O tempo da disseminação do vírus não e o tempo da política ou da economia como quer decretar Bolsonaro. Algo óbvio, mas não para a sanha do capitão.  

Mandetta, que há semanas ensaiava a valsa do adeus, na véspera foi contemplado com um rito sumário. Depois de um encontro de meia hora com o presidente, divulgou em sua rede social que estava demitido. E foi para o seu último pronunciamento dirigindo-se ao pessoal de seu gabinete, a quem saudou e deixou um alerta:O sistema de saúde ainda não está preparado para uma marcha acelerada. Sigam as orientações das pessoas mais próximas que estão em contato com o sistema de saúde, que são os prefeitos, governadores e o próprio ministério da saúde.”  

Teich ainda deve dizer como e a quem seguir. E decidir de que lado vai ficar na História.   

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